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domingo, 23 de novembro de 2014

Notável Fernando Pessoa para Ofélia


29 de novembro de 1920
Ofelinha:

Agradeço a sua carta. Ela trouxe-me pena e alívio ao mesmo tempo. Pena, porque estas coisas fazem sempre pena; alívio, porque, na verdade, a única solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amizade inalterável. Não me nega a Ofelinha outro tanto, não é verdade?
Nem a Ofelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino teria culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se atribuíssem.
O Tempo, que envelhece as faces e os cabelos, envelhece também, mas mais depressa ainda, as afeições violentas. A maioria da gente, porque é estúpida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contraiu o hábito de se sentir a amar. Se assim não fosse, não havia gente feliz no mundo. As criaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade dessa ilusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por ele a estima, ou a gratidão, que ele deixou.
Estas coisas fazem sofrer, mas o sofrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais coisas, que não são mais que partes da vida?
Na sua carta é injusta para comigo, mas compreendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com mágoa, mas a maioria da gente - homens ou mulheres - escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ofelinha tem um feitio ótimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.
Quanto a mim...
O amor passou. Mas conservo-lhe uma afeição inalterável, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequenina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua índole amorável. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe atribuo, fossem uma ilusão minha; mas nem creio que fosse, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lhas atribuísse.
Não sei o que quer que lhe devolva - cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memória viva de um passado morto, como todos os passados; como alguma coisa de comovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos anos é par do progresso na infelicidade e na desilusão.
Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil.
Que isto de 'outras afeições' e de 'outros caminhos' é consigo, Ofelinha, e não comigo.
O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ofelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam.
Não é necessário que compreenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.
Fernando

Amor Simetrico, Sensato-Insensato-Admirado



Ah, Principe!

Ouço sua voz e sinto seu cheiro a cada minuto que o vento chega de mansinho pelas minhas janelas abertas... Sinto seu cheiro quando a chuva cai... Não é cheiro de Terra Molhada que sobe é Cheiro de sua Pele.. É seu cheiro...
Me invento e reinvento em você... A cada palavra, cada frase, no silêncio!
No Tudo e no Nada!
Enxergo você em todas as cores - do branco ao vermelho, do preto ao azul, todas as cores são suas... Todas as cores e todos os traços são paradoxos da mesma simetria, da mesma alquimia!
Alquimia é química ou química é alquimia? Tanto faz, tudo remete a seus mistérios infinitos e que ao mesmo tempo são minhas respostas...
Somos iguais? Não se sei... Só sei que somos simetricamente conectados, seus quadrados cabem nos meus círculos , meus triângulos nos seus quadrados...
Minha inalienável insensatez na sua simétrica sensatez que a tudo e em tudo me alimenta.. Suas não respostas que a tudo responde e suas respostas que tudo afirma e reafirma..
Seu silêncio que não é uma negativa e que é Tudo no Nada e no Tudo que nos representa...
Seus dragões dourados que povoaram meus sonhos e que povoam sua mente, seus livros..
Nossa aventuras milimetricamente sensatas como a estrada de terra de percorremos " noturnamente "-ladeadas por hortênsias e você no mais sensato dos silêncios, me permitia brincar sem saber da sua secreta agonia diante do desconhecido...
Ah! Gosto tanto dessa sua sensatez suave e intensa que alimenta minha tão controlada insensatez!

Domingo- Novembro/2014



Robert Delaunay










Do Notável Fernando Pessoa para Ofélia Queiroz


6 de maio de 1920
Meu Bebé pequenino:

Então o meu Bebé fez-me uma careta quando eu passei?
Então o meu Bebé, que disse que me ia escrever ontem, não me escreveu?
Então o Bebé não gosta do Nininho? (Não é por causa da careta, mas por causa de não escrever.)
Olha, Nininha; e agora a sério: achei que tinhas um ar alegre hoje, que mostravas boa disposição. Também pareces ter gostado de ver o Íbis81, mas isso não garanto, com medo de errar.
Ainda fazes muita troça do Nininho? (A. de C.)
Não sei se irei amanhã a Belém; o mais provável, como te disse, é que vá. Em todo o caso, já sabes: depois das 6.30 não apareço, de modo que escusas de esperar pelo Íbis para além dessa hora.
Ouvistaste?
Muitos beijos e um braço à roda da cintura do Bebé.
Sempre e muito teu
Fernando